06 março 2011

Luz e Cor

Por que as coisas são coloridas?

Júlio C. de Carvalho*

Muitas propriedades da matéria podem ser explicadas pela estrutura molecular e pelas interações entre moléculas. É o caso da dureza, dos pontos de fusão e ebulição, da densidade e também da cor. Porém, a avaliação dessa última propriedade a partir da estrutura molecular não é simples. Sabemos que a luz interage com a matéria, sendo em parte absorvida e em parte refletida. É essa cor refletida que percebemos como a cor do material. Nada mais natural, então, que começar lembrando o que é luz.
O problema, é que, parafraseando o físico Richard Feynman, a luz "não se parece com nada que você já tenha visto". Nadinha mesmo. A luz é uma onda eletromagnética, cuja energia é medida por fótons - partículas sem massa ou carga, mas dotadas de energia.
Parte das propriedades da luz que conhecemos - trajetória retilínea, por exemplo - pode ser explicada pensando na luz como partícula, mas propriedades como a difração exigem que se pense na luz como uma onda. Muito do que se sabe sobre a luz e os fótons foi determinado no último século; para o que se pretende explicar aqui, a idéia da luz-partícula é mais simples.
Digamos que a luz é "feita" de fótons, partículas que possuem uma energia relacionada à sua freqüência. Quanto mais alta a freqüência da luz, maior a sua energia, e menor o seu comprimento de onda.
A luz que enxergamos - aquela que, portanto, tem cor - é apenas uma faixa estreita do espectro eletromagnético, que compreende também as ondas de rádio, luz infravermelha, ultravioleta, raios X e raios gama. A luz que "vemos" é a que tem comprimento de onda entre cerca de 400 e 700nm:
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Por que vemos essa faixa de cores?

Porque o nosso olho é sensível a essa faixa do espectro eletromagnético. Essa resposta parece óbvia, já que os olhos evidentemente evoluíram para perceber essa faixa de luz; mas o fato é que nem toda a luz interage do mesmo jeito com a matéria.
Nem toda luz tem energia suficiente para causar alterações que possam ser transformadas em impulsos nervosos. A energia de algumas ligações típicas é dada na tabela abaixo:

Ligação química
Energia de ligação (J)
Comprimento de onda equivalente (nm)
Van der Waals
6,4. a 13.10-21
31100-15300 (infravermelho - IR)
Pontes de Hidrogênio
210 a 480.10-21
950-410 (IR e visível)
Ligações Iônicas
320 a 640.10-21
620-310 (visível e UVA)
Ligações Covalentes
350 a 1200.10-21
560-160 (visível, UVA e UVB)

Os dados dessa tabela mostram algumas coisas que você conhece: primeiro, que a radiação infravermelha está associada a interações fracas, como as forças de Van der Waals. Toda matéria emite radiação infravermelha.
Segundo, que é preciso de mais energia para romper ligações mais fortes - pontes de hidrogênio e ligações iônicas, por exemplo. Terceiro, que as radiações UVB, tem muita energia, o que explica a sua periculosidade.
Mas espere: se a radiação UV é tão energética, não poderia ser enxergada? Poderia sim, e vários pássaros e insetos são capazes de perceber luz na faixa ultravioleta. Ocorre que energia demais acaba interagindo de forma a ionizar as substâncias, o que dificulta o funcionamento reversível dos sistemas óticos.
A figura a seguir ilustra a principal transformação responsável pela visão, a isomerização do cis-retinal ligado a uma proteína, a opsina:

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Nessa transformação, um fóton é absorvido por um elétron da ligação indicada. A ligação deixa de ser dupla, por um momento, o que permite que a molécula gire, formando o isômero trans- e gerando uma cascata de transformações que culmina na emissão de um impulso nervoso.
A propósito, lembre que ligações simples podem girar sem romper, enquanto duplas não podem:
A luz necessária, em se tratando de bastonetes, é de mais ou menos 498nm. Para os três tipos de cones, S, M e L (as células responsáveis pela percepção de cores) há respectivamente três comprimentos de onda: em torno de 420nm, para a percepção de luz azul; 534nm, para a luz verde; e 564nm, para a luz vermelha.

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A luz necessária, em se tratando de bastonetes, é de mais ou menos 498nm. Para os três tipos de cones, S, M e L (as células responsáveis pela percepção de cores) há respectivamente três comprimentos de onda: em torno de 420nm, para a percepção de luz azul; 534nm, para a luz verde; e 564nm, para a luz vermelha.

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Curiosamente, a cor pode ser percebida tanto como um comprimento de onda puro, quanto com algumas combinações de cores (cores metaméricas). Um exemplo: o efeito de um pouquinho de luz azul, um pouco mais de verde e uma boa dose de vermelho causa o mesmo efeito nos cones que um único feixe de luz alaranjada. Esse efeito é explorado em televisões ou monitores, em que os componentes vermelho, verde a azul (em inglês, a sigla é RGB) formam todos os "milhões de cores" que o monitor oferece.

Como se faz a interação da luz com a matéria?

Agora que lembramos o que é luz e como funciona a visão, vamos à interação da luz com a matéria. Já vimos que fótons podem ser emitidos e absorvidos, mas pelo quê exatamente? Por várias partículas subatômicas, como íons, prótons ou elétrons em movimento. Portanto, há várias interações possíveis entre a luz e a matéria.
A tabela a seguir mostra alguns tipos de transformações em moléculas, dependendo do comprimento de onda da luz:

Fenômenos
Região do espectro
Comprimento de onda
Nucleares
Raios gama
0.1 nm
Elétrons internos
Raios X
0.1-1 nm
Ionização
Ultravioleta
10-200 nm
Elétrons de valência
Ultravioleta próximo e visível
200-800 nm
Vibrações moleculares
Infravermelho
800-2500 nm
Spin eletrônico
Microondas
4000 nm-300000000 nm
Spin nuclear
Ondas de rádio
1000000000 nm e acima

Apesar de toda essa rica interação entre luz e matéria, a absorção e emissão de luz visível está relacionada principalmente a transições entre níveis de energia dos elétrons de valência, em orbitais atômicos e moleculares - os orbitais que participam de uma ligação. A energia (e conseqüentemente a freqüência, e portanto a cor) da luz está associada à diferença de energia envolvida entre os estados dos elétrons nessas transições.
A cor percebida depende da cor absorvida, de acordo com a complementaridade das cores: cores primárias subtrativas absorvem comprimentos de onda determinados. Na figura a seguir, cada círculo representa um filtro absorvendo cor, por isso a combinação das cores é a ausência de cor, o negro.
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As cores primárias subtrativas são o amarelo, o ciano e a magenta. Assim, se da luz branca for absorvido o componente amarelo, percebe-se a cor azul; de forma análoga, quando a cor de um composto é amarela, esse composto deve absorver luz no comprimento de onda correspondente ao azul, e assim por diante.
Vamos ver mais detalhadamente esse fenômeno de absorção (e emissão). Há muito tempo já se sabia que substâncias são capazes de absorver e emitir luz de cores características, quando aquecidas. Mas só quando essa luz foi decomposta por prismas é que se viu que havia linhas bem definidas, correspondentes a luz de energias também definidas; aquecer o material mais fortemente não muda as linhas, apenas a intensidade da luz.
Um exemplo bem conhecido é o do sódio, que quando aquecido emite uma luz brilhante e amarela, correspondente a duas linhas na vizinhança dos 589 nm. No entanto, a decomposição da luz do sódio por um prisma mostra várias outras linhas:

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Explicar esse fenômeno foi um dos objetivos de cientistas como Niels Bohr, ao imaginar a eletrosfera do átomo com um número limitado de "camadas" com elétrons, cada uma com energia definida. Um elétron pode absorver um fóton (um quantum de luz) e passar a uma camada mais externa; ao retornar à sua camada fundamental, é preciso emitir a energia excedente, também na forma de um fóton.
A absorção de fótons de luz com energias específicas é um fenômeno bem conhecido e explorado em técnicas de análise como a espectrofotometria. Na prática, quando se trata de substâncias corantes, há bandas de absorção - faixas de comprimentos de onda, ao invés de linhas espectrais como em íons inorgânicos simples.
Isso ocorre porque as interações de um átomo com outros alteram a energia dos seus orbitais, principalmente os de ligação; essa distorção dá margem a mais comprimentos de onda, a ponto de o espectro parecer contínuo.
Muitos compostos não apresentam cor porque não interagem com a luz visível, embora seus elétrons interajam fótons de outros comprimentos de onda. Uma forma de visualizar esse efeito é pensar na distância entre orbitais para a transição eletrônica, e ainda que, quanto maior a distância, maior o comprimento de onda com o qual o íon pode interagir, e vice-versa.
Logo, se os orbitais de ligação tiverem um tamanho próximo ao comprimento de onda da luz, interagirão com essa luz. Agora é um bom momento para saber qual é o tamanho de alguns íons mais comuns:

Elemento
Raio atômico (nm)
Cor da solução com íons
Hidrogênio
0,025
Incolor
Sódio
0,180
Incolor
Ferro
0,140
Verde a amarelo
Cobre
0,135
Verde a azul
Manganês
0,140
Violeta
Césio
0,260
Incolor

Se essa tabela for estendida a outros cátions, você notará que os elementos de transição (que usam subníveis tipo d para formar íons complexos com a água) apresentam, em geral cor. Isso é função do seu tamanho e tipo de orbital.

O branco e o negro só diferem na luminosidade refletida

Em moléculas orgânicas, embora as ligações sejam feitas por orbitais s, p e seus híbridos, ainda valem as mesmas considerações feitas no artigo anterior sobre luz e cor. A energia requerida por elétrons capazes de excitação depende do orbital que esses elétrons ocupam. A energia requerida é menor (e, portanto, maiores comprimentos de onda, menos energéticos, serão adequados) quando duplas ligações ocorrem. Se uma série de duplas ligações duplas conjugadas (duplas intercaladas com simples ligações) está presente, a energia de excitação é ainda menor, a ponto de poder ser promovida pela luz visível - portanto, pode-se observar cor.

À medida que o comprimento do sistema de duplas ligações conjugadas aumenta, o comprimento de onda de máxima absorção também aumenta. Por exemplo, enquanto o antraceno (três anéis aromáticos lineares) é incolor, o naftaceno (4 anéis lineares) é laranja, (porque absorve parte do azul), e o pentaceno (5 anéis lineares) é azul, pois com um sistema conjugado maior, absorve luz de comprimentos de onda também maiores, de amarelo a vermelho:


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Esses sistemas conjugados são muito comuns em pigmentos - por exemplo, na clorofila e nos carotenóides, como o beta-caroteno:


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A formação de sistemas conjugados com heteroátomos como oxigênio ou nitrogênio (apresentando igualmente orbitais p conjugados) também é importante. A alteração de um único átomo pode alterar significativamente a cor de um composto, um fenômeno explorado no uso de indicadores ácido-base, como a fenolftaleína:


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Na figura, a região destacada em verde é a responsável pela absorção da porção verde do espectro, o que faz com que a fenolftaleína tenha uma cor vermelho-púrpura, em meio básico.
Quando os sistemas de duplas conjugadas são muito grandes, a substância pode absorver uma larga faixa de comprimentos de onda. O resultado é um material escuro, porque absorve toda a luz, como no caso do carvão mineral ou do grafite:


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Interessante, não? E já que falamos do negro, vamos a um último comentário, sobre o branco e preto: na verdade, nenhum dos dois é uma cor, mas sim uma mistura de cores. Ok, você pensa, a luz branca realmente tem todas as cores. Mas o negro?

Ora, os materiais mais escuros - por exemplo, fuligem - ainda refletem cerca de 20% da luz incidente. E isso em todos os comprimentos de onda (se não você veria alguma cor muito escura, como verde ou vermelho escuros, e não negro).

Já os brancos "mais brancos" refletem cerca de 90% da luz incidente, (absorvem cerca de 10%, em todos os comprimentos de onda). Logo, branco e negro são quase a mesma coisa, diferindo apenas na quantidade de luz refletida!

*Júlio C. de Carvalho é engenheiro químico e professor do curso de engenharia de bioprocessos e biotecnologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). 
 
 

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